Jornada do paciente no sistema de saúde
A jornada do paciente refere-se à experiência ampla e contínua vivida pelo paciente ao longo de todo o processo de tratamento, desde o diagnóstico até os cuidados pós-tratamento, incluindo tanto os aspectos emocionais quanto as interações práticas com o sistema de saúde. É uma visão holística que considera todas as conexões (ou desconexões) entre os diversos pontos de contato e como eles impactam a vida do paciente. Já o percurso do paciente se refere aos eventos específicos e isolados dentro dessa jornada, como consultas, exames, cirurgias ou interações pontuais com profissionais de saúde. Enquanto a jornada abrange a narrativa completa, com suas complexidades e subjetividades, o percurso representa os fragmentos concretos e tangíveis dessa experiência, muitas vezes desconectados, mas fundamentais para compor o todo.
Bertha Team
12/2/20245 min read


Compreender a experiência dos pacientes nos serviços de saúde tem se tornado um desafio cada vez mais relevante, uma vez que o mapeamento dessas experiências permite identificar gargalos na estrutura dos serviços e promover melhorias significativas, contribuindo para maiores níveis de satisfação entre os pacientes e de qualidade nos atendimentos.
Um conceito fundamental para o mapeamento as experiências dos pacientes dentro dos serviços de saúde é a “jornada do paciente”, que considera a perspectiva do paciente em relação à sequência de eventos que compõem um acompanhamento de saúde. Apesar de sua popularidade, o termo "jornada do paciente" tem sido frequentemente utilizado de forma inadequada, por não considerar a experiência real dos pacientes. O foco excessivo em processos internos e diretrizes clínicas pode reduzir a visão centrada no paciente, que é essencial para compreender os desafios e as necessidades reais que eles enfrentam ao longo de seu tratamento.
Para dar conta dessa problemática, no contexto da saúde são utilizadas duas abordagens distintas: a jornada do paciente e o percurso do paciente. Enquanto a primeira engloba todos os eventos que compõem um acompanhamento de saúde (diagnósticos, tratamentos, procedimentos ambulatoriais etc.), o percurso do paciente representa os eventos previstos e planejados dessa jornada. Este artigo explora as diferenças entre essas diferentes abordagens de compreensão da experiência do paciente e a importância de alinhá-las para garantir uma experiência de qualidade nos serviços de saúde.
Jornada da Pessoa: o indivíduo em sua integralidade
Antes de olharmos para a jornada do paciente, é importante lembrar que o paciente é um indivíduo integral, e que, como qualquer pessoa, vivencia um conjunto amplo e dinâmico de jornadas que constituem suas experiências em diferentes áreas da vida – profissional, pessoal e acadêmica, por exemplo. Essas jornadas são formadas por todas as interações e eventos significativos que moldam a vida de uma pessoa ao longo do tempo. Sendo assim, o que chamamos de “jornada da pessoa” pode se referir tanto a sequências de eventos estruturados, que são planejados e organizados por sistemas externos (como um tratamento de saúde) ou por sequências de eventos não estruturadas, que incluem os imprevistos, os acidentes e demais interações únicas vividas pela pessoa no cotidiano.
Um paciente em tratamento, pode estar vivenciado diferentes outras jornadas em outras áreas da vida concomitantes à do acompanhamento de saúde, as quais podem possuir influência direta na sua experiência no serviço de saúde. Sendo assim, jornada da pessoa considera uma experiência holística, que é influenciada pelas emoções, valores e crenças, hábitos pessoais, redes de suporte, imprevistos, entre muitos outros aspectos.
A jornada do paciente: uma visão integral da experiência o serviço de saúde
A jornada do paciente refere-se à experiência real e integral vivenciada pela pessoa que está realizando algum acompanhamento de saúde, desde o momento inicial do diagnóstico até os cuidados pós-tratamento. Essa jornada é descrita como uma sequência única e individualizada de eventos, interações e emoções que o paciente pode experienciar, muitas vezes marcada por imprevistos e complexidades que não são mapeados anteriormente pelos serviços de saúde. Os principais aspectos que compõem a jornada do paciente são:
O paciente no centro: a jornada é analisada do ponto de vista do próprio paciente, considerando suas percepções, motivações, emoções e experiências em cada ponto de contato com o sistema de saúde.
Fragmentação: ao contrário do caminho planejado pelos profissionais de saúde (que segue diretrizes e processos padronizados), a jornada do paciente frequentemente pode incluir atrasos e períodos longos de espera, reagendamentos, esquecimentos por parte do paciente, ou até mesmo problemas de comunicação, como sair de uma consulta com dúvidas por sentir vergonha de perguntar ao médico e cometer algum erro na administração de medicações.
Abrangência ampla: a jornada considera tanto as interações diretas, como consultas e exames, quanto os momentos indiretos, como a comunicação para agendar procedimentos, atrasos, e o impacto emocional dessas interações, que podem não ser eventos observáveis.
Subjetividade: cada paciente vivencia a jornada de forma única, com diferentes níveis de satisfação ou insatisfação, que dependem de tanto de fatores individuais e subjetivos do próprio paciente, como da qualidade da comunicação, coordenação entre equipes de saúde e empatia dos profissionais.
Percurso do paciente: a experiência planejada
O percurso do paciente é descrito como os eventos específicos e isolados dentro de uma jornada mais ampla do paciente em um serviço de saúde. Esses percursos correspondem aos pontos de contato tangíveis com o serviço, como consultas, exames, internações e interações diretas com profissionais de saúde. Geralmente esse percurso é estruturado e planejado pelos profissionais de saúde, e é descrito de acordo com os seguintes aspectos:
É formado por eventos que fazem parte de uma jornada maior: o percurso é composto por eventos observáveis e concretos que ocorrem durante o tratamento do paciente. Geralmente representam apenas as etapas estruturadas do caminho planejado pelo serviço de saúde (ex.: consulta inicial, exame de imagem, cirurgia), o qual nem sempre acontece na realidade, devido a atrasos, falhas na comunicação ou necessidade de ajustes.
Desconexão entre os eventos: nem sempre os eventos que compõem um percurso do paciente em um serviço de saúde estão integrados de forma clara e coesa, o que leva à fragmentação da experiência do paciente. Essa desconexão é uma das razões pelas quais a jornada do paciente pode parecer uma "colcha de retalhos" de eventos mal coordenados, o que está diretamente relacionado com insatisfação em serviços de saúde.
Experiência nos percursos: Cada percurso não é apenas um evento técnico, mas também uma interação que pode impactar emocionalmente o paciente. Por exemplo, um atraso em um exame pode gerar ansiedade e incerteza, afetando a percepção do paciente sobre o cuidado recebido.
Discussão
Enquanto o percurso do paciente é o processo idealizado e planejado pela instituição de saúde para oferecer um atendimento padronizado e eficiente, a jornada reflete como esse processo é vivenciado de forma integral pelo paciente, demonstrando diferenças significativas entre o que é planejado e como realmente acontece na realidade.
A desconexão entre a jornada e o percurso do paciente pode levar à frustração e desistência do acompanhamento de saúde, ineficiência organizacional e até mesmo comprometimento nos resultados dos tratamentos de saúde, afinal de contas, cada percurso não é apenas um evento técnico, mas também uma interação que pode impactar emocionalmente o paciente. Por exemplo, um atraso em um exame pode gerar ansiedade e incerteza, afetando a percepção do paciente sobre o cuidado recebido.
Para garantir qualidade e satisfação na experiência do paciente, é recomendado a adoção de uma abordagem que integre a jornada planejada com as vivências e expectativas reais da pessoa que está sendo atendida, com atenção para a garantir a eficiência e clareza na comunicação, e que permita certo nível de personalização, entendendo que cada paciente é único e que pode possuir necessidades diferentes ao longo de um mesmo acompanhamento de saúde.
Modelos como o Customer Journey Modeling Language (CJML) têm se mostrado promissores para compreender e integrar tanto a perspectiva organizacional quanto a do paciente. Ao adotar práticas que conectem o planejamento técnico às experiências reais vivenciadas pelo paciente, as instituições de saúde podem construir serviços mais comprometidos com qualidade dos atendimentos, garantindo não apenas melhores resultados clínicos, mas também maior satisfação e confiança daqueles que dependem desses serviços.